sábado, 7 de março de 2009

Alpendre dentro e fora



(Alpendre - Casa de Arte, Pesquisa e Produção/10 anos)

Configurado numa organização não-governamental, o Alpendre surgiu como idéia num grupo de estudos que reunia oito artistas, de diferentes áreas: Alexandre Veras (Vídeomaker), Eduardo Frota (Artista Plástico), Solon Ribeiro (Fotógrafo), Manoel Ricardo de Lima (Escritor), Carlos Augusto Lima (Escritor), Beatriz Furtado (Vídeomaker e Jornalista), Luis Carlos Sabadia (Gestor Cultural) e eu, Andréa Bardawil (Coreógrafa). Em comum, nenhuma produção ainda. Apenas o interesse pela contemporaneidade, pelas questões urbanas, e por alguns referenciais teóricos que perpassavam os trabalhos individuais de cada um, tais como Ítalo Calvino, Nietzsche, Gilles Deleuze e Félix Guattari, Walter Benjamim, Win Wenders, Artaud, Eugênio Barba, dentre outros.

Em 1999 o Alpendre passa a existir como espaço físico, situando-se num galpão antigo restaurado, na Praia de Iracema, reduto boêmio de Fortaleza. Por ocasião de sua inauguração, Alexandre Veras traçou a descrição que até hoje melhor deu conta das expectativas do momento, no texto que se segue:
“A palavra alpendre nos é preciosa. Remete a marcas que nos foram deixadas por longas noites de histórias, relatos e conversas acumuladas no aconchego de um alpendre. Nos faz lembrar esse território plástico que na sua lisura pode ser transformado, convertido e reconvertido, palco de brincadeiras e invenções, lugar do espírito de alegria e criação. Lugar de pouso e pausa para os que passam, lugar de acolhida e flerte com alteridade. Mas um alpendre também é esse lugar entre a casa e a rua, o exterior e o interior, espaço das trocas e dos fluxos.É aí que nos reencontramos, no meio dessas ressonâncias, no lugar das conversas, invenções, dos pousos e pausas, das trocas. É aí que o Alpendre vai se configurando como um lugar de passagens, um entre-lugar. Um espaço constituído por esses fluxos, interface entre o dentro e o fora. Uma espécie de acumulação por vizinhanças que não deve ser reduzida a uma simples aproximação, mas que potencialize os encontros, busque consistências, multiplicidade e leveza. Um jogo que a cada lance amplie o lugar da criação e do pensamento.Queremos construir esse espaço como se constrói um conceito. Interessam as questões contemporâneas com as quais a criação e o pensamento se embatem. Experimentar caminhos, como viajantes que não precisam habitar uma cidade, um estado, um país, mesmo que eles nos habitem. Nômades, mesmo que em nossos territórios, habitantes de uma velocidade intensiva.” (Alexandre Veras - Vídeomaker)·
O espaço Alpendre articulou-se em Núcleos: Artes Plásticas, Vídeo, Fotografia. Literatura e Dança. Mais tarde, assumido o interesse pela área de Formação, surgiu também o núcleo de Cultura e Cidadania, responsável pelo projeto NoAr, curso de formação na área de vídeo que reunia adolescentes. Cada um de nós exercia a coordenação de sua respectiva área, com autonomia para desenvolver suas ações, mas também com a responsabilidade de viabilizá-las, considerando que a instituição ainda não contava com nenhum suporte financeiro. Além disso, nos estruturávamos em torno do objetivo de potencializar a interface entre as linguagens, na programação e em nossas próprias produções. Os eventos eram em sua grande maioria gratuitos, e frequentemente simultâneos consistindo em mostras, exposições, debates e palestras, ensaios abertos, espetáculos, aulas, etc.
O Núcleo de Dança do Alpendre, por sua vez, organizou-se a partir de propostas desenvolvidas pela Companhia da Arte Andanças, dirigida por mim, e com uma trajetória já reconhecida na cidade tanto por sua produção quanto por uma pesquisa de linguagem que sempre tangenciou outras fronteiras, para além das estabelecidas pela dança. Tais propostas tinham como principal objetivo promover a divulgação e a reflexão em torno da dança contemporânea, favorecendo o acesso a produções do mundo todo, e fomentando um debate constante que se estendia por todas as ações estabelecidas. Dessa forma, disponibilizamos um acervo gratuitamente para consultas, onde reunimos em torno de 3000 livros, nas áreas de Arte, Cultura, Comunicação e Filosofia - 200 títulos na área de Artes Cênicas - e mais de 150 títulos de vídeos de dança, entre espetáculos e documentários, incluindo o acervo da Bienal Internacional de Dança do Ceará. Junto a isso, criamos uma programação permanente de aulas e cursos, e dois projetos de formação de platéia: o projeto Café com Dança (ensaios abertos e debates com coreógrafos convidados) e o projeto Entre-lugares (mostra de vídeos-dança e espetáculos contando com a participação de convidados de áreas diversas). Perpassando tais ações, mantivemos por três anos consecutivos um grupo de estudos que reuniu diversos pesquisadores em torno de questões pertinentes à corporeidade contemporânea e à subjetividade. Deste grupo, saiu o projeto San Pedro, concebido pelo vídeomaker Eduardo Jorge e pela escritora Fátima Souza, processo de criação coletiva e pesquisa interdisciplinar – dança, vídeo e literatura – que proporcionou as primeiras descrições sistematizadas de nossos procedimentos, resultando num vídeodança (San Pedro), num vídeo-documentário (San Pedro: um navio à deriva) e numa publicação (a revista San Pedro). Dentro deste contexto, onde os encontros se davam de forma espontânea e natural, tivemos o terreno propicio para mergulhar na experimentação do vídeodança, constituindo uma produção que hoje já soma 18 vídeos realizados.
Hanna Arendt, nos diz, em “O que é a Política?”: “O lugar de nascimento da liberdade nunca é o interior de algum homem, nem sua vontade, nem seu pensamento ou sentimentos, senão o espaço entre, que só surge ali onde alguns se juntam e só subsiste enquanto permanecem juntos. Existe um espaço da liberdade: é livre quem tem acesso a ele e não quem fica excluído do mesmo.”Os bons encontros – idéia constituinte do espaço-corpo-pele Alpendre, sempre aberto ao que nele aderisse – foram impulso básico para o movimento dos que nele habitam ou dos que por ele perpassam. Fator determinante em nossos processos de elaboração estética e de elaboração da própria vida, a co-habitação de diversos criadores e diversas linguagens num mesmo espaço, passível de ser re-convertido a todo instante, tornou-se cotidiano. Instigados constantemente pelo pensamento de Gilles Deleuze, confirmamos que é precisamente a contingência do encontro que garante a necessidade daquilo que ele faz pensar.
Após dez anos de intensos diálogos e um tanto mais de conversas jogadas fora, nesse espaço-corpo-pele, o que era impulso converteu-se em estratégia para a construção de novas condições de possibilidade, sobretudo no que diz respeito à constituição de processos criativos. Com isso extrapolamos o limite de nossos campos estéticos e experimentamos outras formas de existir. Apostamos no contágio e na vertigem. Aceitamos a desterritorialização como forma de andar. Habitamos o vazio e trabalhamos no avesso. E investimos em perder controles, linhas de fuga para lugares outros, pelos quais estar de passagem é por vezes a única constante.
Encerramos com palavras do filósofo espanhol, radicado no Brasil, Francisco Ortega, ao comentar a nova ética da amizade proposta por Michel Foucault, como estratégia para a afirmação da vida: “(...) A amizade representa uma relação com o outro que não tem a forma, nem de unanimidade consensual nem de violência direta. Trata-se de uma relação agonística, oposta a um antagonismo essencial, uma ‘relação que não é ao mesmo tempo incitação recíproca e luta, tratando-se não tanto de uma oposição frente a frente quanto de uma provocação permanente’. Relações agonísticas são relações livres que apontam para o desafio e para a incitação recíproca e não para a submissão ao outro. O poder é um jogo estratégico. A nova ética da amizade procura jogar dentro das relações de poder com um mínimo de dominação e criar um tipo de relacionamento intenso e móvel que não permita que as relações de poder se transformem em estados de dominação. (...) A amizade encontra-se além do direito, das leis, da família e das instâncias sociais, representando uma alternativa às formas de relacionamento prescritas e institucionalizadas.”
(Trecho de palestra conferida por mim em 2007, no Festival Move Berlim, Alemanha)
Atualmente, o Alpendre cede espaço permanente à Bienal Internacional de Dança do Ceará, e conta também com outras companhias residentes, além da Cia da Arte Andanças: Artelaria, N ∞, Circo Ludico Experimental, Cia Etra.

2 comentários:

  1. Andrea
    Li a postagem sobre o Alpendre e achei interessante. Gostaria de saber qual o
    endereço. Aproveito e convido você para
    visitar o blog Música do Mundo:
    www.olmirdeoliveira.blogspot.com
    abraços
    olmir

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  2. Marcos Brandão (83) 8837 1560| 9927 0087

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