domingo, 8 de março de 2009

Leo com o oceano inteiro para nadar




(Leonilson/Obra: Coração em chamas e trecho estraído de diário. Fonte: Projeto Leonilson.)
PARA QUEM NÃO COMPROU A VERDADE
Lisette Lagnado
O discurso da sinceridade pertence à estrutura expressiva do primitivo ou, mais explicitamente, a retórica do primitivo está baseada numa profissão de fé. Antes de mais nada, não se pode confundir sinceridade com verdade. Ser sincero exige credibilidade, não há verificação possível; já a existência da verdade depende de provas. A confissão é uma das manifestações literárias da sinceridade (J.J.Rousseau). O diário, também, quando se trata de narrar as disposições interiores de seu narrador - histórias, suportes de uma ficção. Mentiras? Talvez. Mentiras sinceras que vêm do coração. A busca de Leonilson consiste em nos convencer de sua sinceridade: para que seja acreditado, confessa até que é "mentiroso". A negação deste ato de fé não é a mentira mas a falsidade, inimiga jurada da sinceridade. Leonilson não abdicou de sua ironia característica, mas mesclou-a com questões de fé. Devoto fervoroso de um ideal romântico malogrado, este artista inscreveu seu gesto na epistolografia contemporânea. Cada trabalho (deliberadamente indefinido quanto aos limites do desenho, da pintura ou do bordado) foi feito como um registro íntimo, mergulho narcísico, e foi dedicado ao objeto de desejo. Há uma lógica da ambigüidade, muito atual, que permeia a atitude de Leonilson em todos os sentidos (estéticos, morais, religiosos, sexuais). Nela, a adoção de um princípio não exclui a coexistência de seu oposto. Embora possa se dizer que toda a sua obra atualiza a marca do mundo vivido pela subjetividade que vem pontuando a produção contemporânea, penso que o gesto de Leonilson trata, contudo, de algumas questões próprias: o discurso amoroso e as figuras do romantismo, a alegoria da doença e o uso da biografia para dar corpo à desmaterialização da obra de arte.

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