Contar o que já foi, o que aconteceu e ficou gravado no corpo, memória que se transforma a cada dia. A sensação de paralisia, a angústia de não conseguir o movimento. Desaprender uma técnica e reconhecer o espaço, lidar com o que as circunstâncias oferecem. Mapear impulsos, redefinir os limites do chão, enraizando para não cair, firmando base, reencontrando o passo. Achar fôlego.
Procurar uma forma de dizer. Um jeito de movimento desavisado, quase, que provoque afetos. Como quem dobra uma esquina displicente, sem esperar susto. Uma forma de dançar que exija, ao mesmo tempo, uma sinceridade e uma coragem.
O querer se constrói no contar.
O que conto e o que quero, é só do que posso dizer.
"Só agora pressenti o oblíquo da vida. Antes só via através de cortes retos e paralelos. Não percebia o sonso traço enviesado. Agora adivinho que a vida é outra. Que viver não é só desenrolar sentimentos grossos - é algo mais sortilégico e mais grácil, sem por isso perder o seu fino vigor animal. Compreendi a fatalidade do acaso e não existe nisso contradição. A vida oblíqua é muito íntima. Não digo mais sobre essa intimidade para não ferir o pensar-sentir com palavras secas." (Clarice Lispector)